CONTRADIÇÕES ENTRE AQUILO QUE ESPERAMOS DA PRÁTICA DOS PROFESSORES E AQUILO PARA QUE PREPARAMOS OS PROFESSORES - Aula 01
- Elza Peixoto
- 4 de abr.
- 6 min de leitura
Atualizado: 17 de abr.

No ementário de proposição deste componente (Leituras em torno do problema da prática) anotamos:
A partir do esforço de unidade na tradução das obras de Marx, Engels e Lenin pela Editorial Avante! para a língua portuguesa, pretende-se uma incursão pela abordagem do tema da prática na obra de Marx e Engels, a partir da pista deixada por Barata-Moura de que “um dos contributos maiores de Marx para o patrimônio filosófico da humanidade situa-se precisamente neste quadro duplamente articulado de um reconhecimento do papel central da prática na mediação histórica do ser pelas coletividades humanas, e de uma sua compreensão essencial como atividade material de transformação” (BARATA-MOURA, 1994, p. 88). Neste processo, pretende-se especial atenção aos contextos em que ocorrem as críticas e a superação do pensamento de Feuerbach; à delimitação do sentido forte de prática em perspectiva materialista e dialética e às críticas de Barata-Moura aos idealismos da práxis. Por fim, todo este esforço de recuperação do tema da prática envolve a preocupação com a retomada dos fundamentos materialistas para a abordagem dos problemas da educação, em especial, as políticas de trabalho e formação (PEIXOTO, 2025.1).
O meu objetivo nesta aula inaugural é expor o que está em questão quando propomos um componente curricular que visa, no âmbito de um PPGEdu, em primeiro lugar, problematizar teoricamente o tema da prática. Por si só, a meu ver, há aqui uma contradição muito interessante no âmbito da formação de professores na qual a prática assoma pragmaticamente como “aprender fazendo”. E nas políticas nacionais de formação de professores, não só “aprender fazendo”, como “aprender fazendo com quem sabe fazer”, tal como evidencia-se nas proposições postas nas Diretrizes para a formação de professores, com ênfase nas práticas de ensino, estágios, PIBID e Residência Pedagógica.
Temos problematizado (PEIXOTO, 2021) o quanto a demanda pela prática reflete a preocupação com a correspondência da formação da consciência dos professores com a realidade na qual os professores atuarão, denunciando como esta proposição nos deixa presos à tese de que (i) conhecemos exclusivamente pela experiência, com o auxílio dos órgãos dos sentidos; (ii) em relação direta com a realidade a ser investigada; (iii) em uma concepção que reduz a realidade da escola (*) à relação professor/aluno, (**) que se passa no interior da sala de aula, (***) em que a expertise do professor em formação é testada/treinada (pelo professor experiente) nos limites da sensibilidade para reconhecer a subjetividade e a diversidade das crianças/adolescente e desenvolvê-las com o auxílio dos melhores métodos/avaliação. Nesta perspectiva, a Universidade deixa de ser o fórum privilegiado da formação de professores, transferindo-se a tarefa da formação para o serviço no chão da escola.
No processo de crítica à tese da formação assentada na experiência, tenho recordado uma observação que Marx faz em “O Capital”: “[...] toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas” (MARX, K. O Capital. Livro 3, Volume 6, p. 939, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, s/d). Se Marx estiver correto, a formação de professores tem padecido do império da aparência (dada pelos órgãos dos sentidos). Se Marx estiver correto, a “essência” da realidade escolar estaria sendo negada aos professores em formação, priorizando-se o contato com a aparência de realidade dada imediatamente pelos órgãos dos sentidos. Concordando com esta tese de Marx, que remonta ao debate clássico sobre os caminhos a percorrer para conhecer a verdade (ANDERY et all, 2007), o nosso problema retorna: como garantir uma formação da consciência com verdade (alcançando o fio essencial da realidade)? Observe-se que retornamos ao problema do conhecimento e das abordagens mais adequadas da realidade para, não deixando nos enganar pelos limites dos órgãos dos sentidos, alcançar a verdade. É exatamente aqui que nos parece fundamental problematizar as interpretações da tese que, negando a formação teórica, sustenta (sob o pretexto de alinhar-se a Marx): “a prática é o critério de verdade”.
O conjunto dos problemas com que vamos nos deparar neste semestre encontram-se, justamente, neste território complexo, cujo lastro vem de longa data na história da humanidade: qual o caminho para o conhecimento verdadeiro da realidade? Mas esta questão só nos interessa (enquanto trabalhadores da educação) na mesma medida em que possibilita refletir sobre o problema da formação para a realidade. É, pois, a própria realidade que necessitamos conhecer, e, mais que conhecer, transformar em uma dada direção. Em que pese toda a direção pragmática da formação de professores que nos empurra para a miudeza dos desafios imediatos da produção da existência no chão das escolas, estamos desafiados a compreender a realidade na qual atuamos com vistas a dirigir a sua transformação conforme o atendimento das necessidades da classe trabalhadora de que fazemos parte. Quando propomos o materialismo dialético como horizonte de abordagem destes problemas, é porque – conhecendo minimamente o acúmulo sobre o problema do conhecimento – sabemos que estes problemas não são apanháveis nos limites dos órgãos dos sentidos e de nossa subjetividade. Envolvem aquele desafio que Engels nos lança quando recorda da necessidade de reconhecer as árvores como membros de uma totalidade “bosque”.
Negando a transparência e a unicidade do sentido de prática que impera na formação de professores, sob a perspectiva de uma leitura materialista dialética profunda (a de José Barata-Moura), almejamos apanhar a problemática da prática localizando o sentido fundante que Marx e Engels a ela atribuem: transformação material pelo trabalho, a política e o experimento. Sob esta direção, temos então um duplo desafio: (I) conhecer a crítica dos idealismos da práxis no âmbito do marxismo; (II) e, delimitando com precisão uma abordagem materialista do problema da prática, anotar a questão fundamental subjacente à formação de professores com verdade, para a atuação transformadora nas relações de produção capitalistas, profundamente consciente das amarras em que o trabalho educativo se encontra nestas relações de produção.
Este componente curricular é pela primeira vez ofertado no PGEDU. Em que pese ter dedicado minhas pesquisas mais recentes (desde 2014) a este problema, o caminho que vamos percorrer depende, essencialmente, das contradições que determinarão o encontro entre o estágio de desenvolvimento do que já conhecemos e nossas possibilidades de aprofundamento nos problemas espinhosos que Barata-Moura vai nos colocando neste esforço rigoroso, no terreno da filosofia, de correção e precisão do cerne do materialismo dialético. Este é um curso de aprofundamento nos debates do materialismo dialético nos termos dos seus fundamentos e nos termos de suas categorias e teoria central. Reivindicamos que este instrumental teórico é fundamental para compreender a realidade com a qual estamos nos deparando e projetar ações coletivas para a superação destes problemas. E por isto temos defendido e lutado pela formação a partir desta matriz teórica.
Passemos agora a uma rápida indicação dos materiais bibliográficos selecionados e dos textos que anunciam o caminho que tenho percorrido para promover estes diálogos.
Referências Bibliográficas:
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PEIXOTO, E. M. de M. Formação de professores em cenário de incertezas: subjetivações para (re)existências. Revista Exitus, [S. l.], v. 13, n. 1, p. e023035, 2023b. DOI: 10.24065/2237-9460.2023v13n1ID2346. Disponível em: http://www.ufopa.edu.br/portaldeperiodicos/index.php/revistaexitus/article/view/2346. Acesso em: 24 jun. 2023b.
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PEIXOTO, Elza M de M. FORMAÇÃO DOS PROFESSORES PARA A PRÁTICA Notas em procura de um materialismo consequente. Formação em Movimento, v. 5 n. 11 (2023): Dossiê: “Projetos institucionais de Formação de professores: concepções, experiências, narrativas e resistências” - . Disponível em: https://periodicos.ufrrj.br/index.php/formov/article/view/894
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